Acerca dos entendimentos sobre a valorização das obras de arte por meio de uma Blockchain

Segundo o art. 38 da Lei de Direitos Autorais, Lei nº 9.610/98, o autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, 5% sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado.

Conhecido como direito de sequência, ou “droit de suite”, já que sua origem vem da lei francesa, refere-se a um direito patrimonial em que o artista plástico faz juz à participação no lucro gerado pelas vendas de sua obra. Nos casos em que o artista não percebe o seu direito de sequência no ato da revenda, o vendedor é considerado depositário da quantia a ele devida, salvo se a operação for realizada por leiloeiro, quando será este o depositário, como consta no parágrafo único do mesmo artigo.

Visando solucionar injustiças históricas a que estão submetidos autores de obras de arte visual, que usualmente assistem o crescimento exponencial de suas obras no mercado da arte sem receber qualquer retribuição pecuniária desse escalonamento financeiro, o direito de sequência busca aproximar o autor da exploração econômica de sua criação. Torna possível e exigível a manutenção do elo patrimonial entre o autor da obra de artes visuais e os futuros compradores, a partir da previsão de um direito compensatório, baseado num percentual mínimo incidente sobre cada revenda.

Contudo, há uma evidente complexidade em se concretizar tal direito, uma vez que não existe fiscalização sobre a revenda de cada peça, dificultando que o autor participe da valorização futura de sua arte, ou até mesmo para quantificar de forma correta o valor da obra.

A viabilização do direito de sequência agora é facilitada através da Blockchain, uma plataforma para compra e venda de ativos, tangíveis ou intangíveis, desenvolvida para registrar as transações dos usuários na Internet, através de pagamento com criptomoedas.

A blockchain é ideal para isso porque fornece informações imediatas, compartilhadas e completamente transparentes armazenadas em um livro-razão imutável que só pode ser acessado por membros autorizados da rede. Uma rede de blockchain pode controlar pedidos, pagamentos, contas, produção e muito mais. Além disso, como os membros tem acesso às mesmas informações, é possível acompanhar todos os detalhes de uma transação, o que aumenta a confiança e gera novas oportunidades e maior eficiência.

A exatidão dos dados precisa ser confirmada por todos os membros da rede e as transações validadas são imutáveis porque o registro é permanente. Ninguém, nem mesmo um administrador do sistema, pode excluir uma transação.

Com um livro-razão compartilhado entre os membros de uma rede, não é preciso perder tempo conferindo registros. Além disso, para acelerar as transações, um conjunto de regras (chamado de smart contracts ou contratos inteligentes) pode ser armazenado na blockchain e executado automaticamente.

Os contratos inteligentes são acordos digitais autoexecutáveis que garantem as condições contratuais por meio da tecnologia da Blockchain e que podem ser usados para troca de dinheiro, propriedade, informação, dentre outros ativos, tangíveís  ou intangíveis. O bloco de dados pode registrar quaisquer informações: quem, o que, quando, onde, quanto, a condição, etc

Além das vantagens supracitadas sobre a Blockchain, podemos mencionar a qualidade dos dados, simplificação de processos, menor custo por transação, já que não será necessária a contratação de um intermediador, e também a segurança, uma vez que a Blockchain não possui um ponto central onde estão todos os dados e suas redes são descentralizadas, fazendo com que haja maior resistência caso haja uma possível falha no sistema.

O processo de inserção das obras de arte dentro da Blockchain se dá através da tokenização via contratos inteligentes. É produzido um código único de programação, que por sua vez é imutável, capaz de ser transferido a um terceiro interessado. A partir deste recurso, o proprietário dessa representação digital detém a autenticação segura e transparente desse registro.

A partir da utilização dessa nova tecnologia, o próprio artista poderá criar um contrato vinculado à sua obra de arte e estabelecer as condições de transferências futuras, possibilitando também que disponha sobre o percentual sobre o lucro de revenda estabelecido pela Lei de Direitos Autorais.

Esse é um avanço importante da tecnologia, que visa a democratização dos investimentos e fornece maiores possibilidades para o mercado financeiro e de capitais. Avaliando as vantagens e benefícios sob a perspectiva das obras de arte, a Blockchain torna-se um espaço de conexão entre artistas e compradores, promovendo a abertura de um mercado online mais acessível aos criadores, certifica a propriedade do colecionador em casos de roubo, perda ou destituição da obra de arte, promove a criação da arte digital, garante a qualidade dos arquivos, além de possibilitar o acompanhamento das vendas.

Hoje, o direito de sequência, embora largamente previsto nas legislações nacionais, carece de aplicação devida, o que gera, por conseguinte, uma verdadeira lacuna entre a lei e a prática do mercado das artes.

O Brasil tem um grande potencial criativo na área de artes visuais, razão pela qual o direito de sequência deve ser efetivamente respeitado e aplicado no mercado de arte, nos termos do artigo 38 da Lei 9.610/98, de maneira que o respectivo autor efetivamente receba rendimentos advindos de cada revenda.