Com os seios nus pintados, Mauren McGee cantava no bloco Regos Fritos, que desfilou nas ruas da cidade de São Paulo neste carnaval. Estranhou um homem que a filmava fixamente e pediu que o namorado desse uma olhada na tela do celular que a registrava. O tal homem dava zoom nos seios de Mauren e transmitia as imagens ao vivo para uma outra pessoa. Confrontado, admitiu que filmava mesmo.
Mauren então arremessou uma lata de cerveja no sujeito e começou a xingá-lo. Bia Vicente, outra cantora do grupo, conta que viu a cena e gritou ao microfone pedindo que o expulsassem. Quando exigiu que respeitasse “as minas”, imediatamente formou-se um grupo de mulheres para tirar o homem do bloco.
Ao saber do acontecido, Gaia Qualaversao, CEO do projeto Meu Clitóris Minhas Regras, que tem conta homônima no Instagram, desconfiou que não era um caso isolado. Acostumada a ficar com os seios à mostra durante o Carnaval, já havia notado um comportamento atípico de homens que se aproximavam portando celulares nas mãos a todo tempo. Pesquisou em sites de conteúdo pornográfico e encontrou diversos vídeos feitos durante este Carnaval.
Gaia postou no Instagram do projeto o frame de um vídeo encontrado no site XVideos, com o título “Carnaval de rua SP delícia de novinha”, até então com 2,5 milhões de visualizações. A plataforma retirou o vídeo do ar após ser denunciado por usuários para examinar se seria o caso de excluí-lo permanentemente ou reabilitá-lo.
“Eu posso filmar, fazer o upload no site e restringir o acesso a alguns países. Faço a gravação no Brasil, mas qualquer IP nacional tem o acesso barrado. Então deve ter muito mais conteúdo do que a gente imagina”, diz Gaia.
Segundo a advogada Mariana Bachcivangi, especialista em direito digital, o uso de imagens em sites pornográficos sem autorização constitui crime passível de prisão, além de indenização de cunho moral e material. A vítima pode se valer do Marco Civil da Internet para requerer a exclusão do conteúdo ilícito diretamente dos sites em que houve a publicação, sem buscar autorização judicial. O provedor pode ser responsabilizado subsidiariamente se não retirar esse conteúdo do ar após a notificação extrajudicial.
Nos casos de violência contra a mulher, Mariana sugere fazer boletim de ocorrência nas Delegacias de Defesa da Mulher.
Dandara Pagu, fundadora do bloco feminista Vaca Profana, de Recife, conhecido por reunir milhares de mulheres seminuas, conta que já encontrou imagens dela e de outras integrantes do grupo em sites pornográficos. “Aconteceu o ano passado, mas era a mesma imagem que a gente divulgou. Se alguém vai se masturbar com isso, poderia também fazê-lo vendo nossas fotos no Instagram. Depende de estar tranquila com o que fez. As meninas que apareciam no vídeo disseram que sentiam o mesmo. Não houve incômodo. Não que eu aprove, mas a partir do momento que você se permite filmar, não tem controle sobre onde vai parar a imagem. É diferente de vazar imagens particulares com um companheiro, por exemplo. Se alguma mulher tiver uma visão diferente, me fale. Feminismo é aprendizagem e busca de conforto em ser mulher”, diz Dandara.
Segundo a produtora cultural, cerca de 5 mil mulheres participaram do bloco em Olinda neste ano, e outras 2 mil no pré-Carnaval de São Paulo. “O que me deixa mais feliz é ver a felicidade das mulheres nessas duas horas de liberdade e segurança. É uma liberdade real, feita por mulheres e para mulheres. Não importa a questão de estar pelada, mas de estar confortável consigo mesma e isso em várias instâncias: seja para conseguir se relacionar com o outro e não estar presa a essa pessoa, seja com o próprio corpo, seja profissionalmente”.
Depois de ver um vídeo com as mulheres seminuas no Vaca Profana, a deputada estadual Clarissa Tércio (PSC-PE) afirmou ter protocolado um pedido junto à Secretaria de Defesa Social neste ano para que a polícia “garantisse a ordem” e conduzisse à delegacia quem cometesse atentado violento ao pudor.
O bloco saiu normalmente, sem ocorrências, e, segundo Dandara, com o dobro do tamanho de público após a repercussão do caso. Com temor de algum ato de violência contra as participantes, o Vaca Profana desfilou pela primeira vez com escolta policial, formada só por mulheres.
Foi após ser reprimida por um policial, no Carnaval de 2015, que Dandara resolveu criar o bloco. Inspirada na música “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, a produtora vestia hot pant, máscara de vaca e os seios à mostra. O agente de segurança ameaçou prendê-la caso não se cobrisse. Um amigo dela interveio, tirou a blusa que vestia e a deu para colocar. Dandara então questionou ao policial por que o amigo homem poderia ficar sem blusa e ela seria presa. Após o episódio traumático, decidiu que criaria o bloco.
“Eu acho que quem vê de fora fica com medo. É muito chocante. As pessoas não estão preparadas. A mulher nua sempre está colocada numa posição de objeto dentro dessa educação pornô, na qual a pessoa paga para a outra tirar a roupa e faz o que quer com ela. Uma pessoa pelada andando na rua porque quer dá um tilt na cabeça”, diz Dandara. “Existe uma reação violenta contra tudo hoje, inclusive contra a nudez feminina. Mas está pareado: o retrocesso está aí e a resistência a ele também”.
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POR MANUELA AZENHA, EM COLABORAÇÃO PARA MARIE CLAIRE