Nesta segunda-feira, 03 de agosto, o STF retomou as sessões plenárias com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental 709, ajuizada pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e por seis partidos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT), na qual se requer a adoção de providências, por parte do governo, no combate à epidemia da covid-19 entre a população indígena, sob argumento de que as ações e omissões do Poder Público no combate à doença nessas comunidades estão causando um “verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”.
O plenário decidirá se confirma a medida cautelar deferida no dia 8 de julho pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da qual determinou ao governo Federal a adoção de diversas medidas para combater o avanço da covid-19 sobre os povos indígenas e suas aldeias, entre elas a instalação de uma “sala de situação” com participação de índios, MP e DPU; a criação de barreiras sanitárias; e a elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da doença.
Feito o relatório e as sustentações orais, votou o relator, ministro Barroso, pelo referendo da cautelar. A sessão deve prosseguir na quarta feira, dia 05.
No mesmo dia, a juíza Ana Lucia Petri Betto, da 1ª Vara Cível Federal de São Paulo, indeferiu pedido de tutela provisória requerida pelo Ministério Público Federal na ação civil pública ajuizada contra a União, visando a manutenção e preservação dopatrimônio histórico-cultural que integra a Cinemateca Brasileira.
Entendeu a juíza que não estavam presentes os requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil para a concessão da medida, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Acolhendo os argumentos da Advocacia Geral da União, considerou haver elementos que indicam a tomada de providências emergenciais pela União Federal para preservação do acervo da Cinemateca Brasileira, esvaziando o “periculum in mora”.
Afirmou ainda a juíza que “não é função do Poder Judiciário dizer com quem deve a administração pública celebrar seus contratos, sob pena de flagrante violação ao postulado constitucional da separação de poderes. Questões atinentes à contratação, bem como ao modo de gerir os recursos públicos, mesmo em casos urgentes, constituem em nítida matéria de mérito administrativo, não sendo possível a este Juízo o exame destas questões, cuja competência é exclusiva do Poder Executivo. Se há perigo de dano ao patrimônio histórico-cultural que integram a Cinemateca Brasileira, ou mesmo, dano efetivo, cabe à União Federal cessá-los da maneira que julgar mais eficiente, com os recursos que possui. Não havendo interesse na manutenção da ACERP como entidade gestora da Cinemateca, como já é patente, tal gestão deve ser assumida pela União ou por quem ela designar, logicamente seguindo os critérios previstos em lei.”
Em ambas ações judiciais se discute a omissão do governo federal em relação ao cumprimento de deveres constitucionais; no primeiro caso, a proteção à saúde da população indígena e o respeito às suas terras, no segundo, a defesa do patrimônio cultural.
Espera-se nas ações a ordem jurisdicional para que o Poder Executivo adote concretamente providências para a garantia efetiva de tais direitos.
A questão que se coloca é até onde se reconhece a competência do Poder Judiciário para a apreciação dos atos de governo.
Para o ministro Barroso, “a questão não é de interferência do Poder Judiciário em matéria de política pública. Trata-se, mais uma vez, de fazer cumprir norma que deixou de ser observada pelo Executivo. (…) O que se postula nesta ação é a complementação de tais ações com medidas que são imprescindíveis para torná-las eficazes e que não foram providenciadas pelo Poder Público, a despeito da sua atuação emergencial. Aí está a relevância e a necessidade da participação. Por isso se requer a elaboração de um plano concreto, com cronograma de implementação e identificação das autoridades responsáveis. Não há dúvida de que existem múltiplas ações em curso. Entretanto, tais ações precisam ser coordenadas e precisam ser complementadas por medidas que não estão em curso.”
No caso da Cinemateca, ao contrário, entendeu a magistrada que são suficientes as ações emergenciais informadas pela AGU para a proteção do patrimônio da Cinemateca, não cabendo ao Judiciário interferir na análise da eventual prorrogação do contrato entre a União Federal e a ACERP, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.
Ressalte-se, porém, que o MPF requereu, subsidiariamente ao pedido de renovação do referido contrato, que seja providenciada diretamente pela União a administração, a gestão e a preservação da Cinemateca Brasileira e de seu acervo e serviço público, por meio da Secretaria Especial de Cultura; ou ainda, que o juízo imponha à União a imediata implementação de medidas que conduzam a resultado prático equivalente.
O pedido, portanto, não diz respeito unicamente à ação discricionária da administração pública em prorrogar ou não contrato por ela firmado, à qual se reservaria de fato a análise da conveniência e oportunidade do Poder Executivo. E mais, ainda que assim se enquadrasse, é tranquila a doutrina e a jurisprudência no sentido de se admitir a análise dos atos administrativos discricionários no que tange aos seus aspectos legais, sendo vedada apenas a análise do mérito.
Ações emergenciais que afastem significativamente o risco de destruição do patrimônio público histórico-cultural constituído pela Cinemateca Brasileira, e que garantam a continuidade do serviço público por esta prestado, não podem ser consideradas como de política discricionária, mas sim como atos de cumprimento de regras constitucionais.
Nesse sentido, a apreciação pelo Poder Judiciário do ato administrativo discricionário tido por inconstitucional não ofende o princípio da separação dos poderes. Resta à sociedade a expectativa de acerto da decisão judicial e que sejam efetivas as ações do governo federal na preservação da Cinemateca Brasileira.