CNJ lança protocolo para julgamento com perspectiva de gênero

Na última terça-feira, 19 de julho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou um protocolo contra a violência de gênero no Judiciário. O objetivo dessa iniciativa é combater e prevenir todas as diferentes formas de violência contra mulheres no âmbito das atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça.

O Provimento CN-CNJ nº 147/23, assinado pelo corregedor Nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, refere-se à uma política permanente de enfrentamento à violência contra a mulher envolvendo magistrados, servidores do Poder Judiciário, notários e registradores que atuem por delegação do poder público. Se trata, entre outros pontos, da criação de um canal simplificado e funcional, cuja vítimas poderão reportar as devidas situações praticadas por “prestadores de serviços notariais e de registro, quando relacionadas ao exercício do serviço delegado”, segundo o texto legal.

Essa iniciativa, que busca garantir um ambiente seguro e livre de discriminação de gênero, é de extrema importância para promover a igualdade e o respeito aos direitos humanos das vítimas. O protocolo estabelece diretrizes e medidas que deverão ser seguidas pelos membros do Judiciário para identificar, prevenir e combater situações de violência de gênero. Entre as medidas previstas no protocolo, destacam-se a capacitação dos profissionais do Judiciário para lidar com todas as formas de violência contra a mulher e atuarem segundo o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero.

Toda e qualquer denúncia será tratada de acordo com as regras do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, sem a exigência de prova pré-constituída dos fatos como requisito de procedência da ação. Além disso, a mulher deverá ter a opção de decidir se deseja ser ouvida previamente por uma juíza da Corregedoria Nacional de Justiça, para reportar os fatos. A vítima também poderá optar se deseja receber atendimento psicossocial oferecido por um órgão judicial de sua preferência.

Caso a apuração dos fatos não seja da competência da Corregedoria Nacional de Justiça, a vítima receberá orientação acerca das vias adequadas para formulação de sua reclamação.

Outros princípios que norteiam o documento incluem: “eliminação de todas as noções preconcebidas e estereotipadas sobre as respostas esperadas da mulher à violência sofrida e sobre o padrão de prova exigido para sustentar a ocorrência da agressão”; “não revitimização da ofendida, evitando-se sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, bem como questionamentos desnecessários sobre sua vida privada”; e “enfrentamento da subnotificação dos casos de violência contra a mulher”.

O aumento expressivo de casos em que se identifica a violência de gênero e atos de misoginia no Judiciário, foi o ponto central de discussões que sucederam na demanda do desenvolvimento desse sistema de proteção e de garantia de direitos fundamentais às vítimas.

A título de exemplo, podemos citar o caso Rosemery Casoli, que lutou contra o machismo no Judiciário, por ter seus direitos fundamentais negados. Depois de duas décadas sofrendo violência doméstica cometida pelo então marido contra ela e os filhos, a professora, mestre em Artes, pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro do Projeto de Extensão Fordan, decidiu procurar a Justiça.

Rosemery teve seus pedidos de medida protetiva negados sistematicamente pela Vara da Mulher, além de ser obrigada a realizar inúmeros boletins de ocorrência, sem que obtivesse nenhum efeito legal. A partir deste momento, as agressões se tornaram mais frequentes. Se deparando com a desesperança e o temor de se ver desprotegida contra seu agressor, Rose escreveu uma carta concedida à Justiça Brasileira, relatando “as múltiplas agressões sofridas por ela e seus filhos e a impunidade de que gozam seus algozes”. Definida como “um pedido de socorro para mim e para meus filhos”, a professora inicia o texto afirmando ter “muito orgulho de ser mãe deles e não gostaria de perdê-los ou que eles viessem a me perder”.

No entanto, apesar da incongruência de ter medida protetiva negada pela Vara da Mulher, obteve medida semelhante na Vara Criminal, diante do mesmo delito cometido pelo agressor.

Esse é apenas um dos inúmeros casos semelhantes, em que a mulher se vê desamparada pela Justiça e sem a devida proteção da Lei. É uma questão que vem sendo recorrente nos últimos anos e revela a existência de um problema estrutural e cultural e que precisa ser enfrentado e combatido de maneira urgente. Os estudos e as estatísticas apontam que muitas vezes as vítimas de violência de gênero não encontram apoio e proteção nos tribunais, enfrentando obstáculos e a revitimização durante o processo judicial. Além de negligenciar e minimizar a gravidade dos crimes, contribuem para a perpetuação da violência de gênero em nossa sociedade.

Nesse sentido, se faz tão importante a nova política adotada pelo CNJ, com objetivo de garantir a proteção adequada às vítimas e enfrentar à violência de gênero praticada por agentes do Judiciário, ainda que indiretamente por omissão quanto aos deveres de cuidado pela integridade física e psicológica da vítima.