Quais as consequências da pandemia nos contratos de locação residencial?

A locação de imóvel urbano já é objeto de questionamentos jurídicos.

Para harmonizar e compreender a realidade surgida na crise atual, novas questões jurídicas deverão ser enfrentadas. Para análise dos aspectos jurídicos e sociais analisa-se a legislação da locação residencial numa perspectiva histórica no Brasil, e, através desta incursão no tempo, é possível compreender o sistema da Lei 8.245/91 que disciplina a locação na atualidade, bem como os impactos deste cenário de incerteza na segurança jurídica dos pactos locatícios residências urbanos que têm peculiaridades e contornos próprios. 

O Código Civil de 1916 disciplinava a locação imobiliária, em 1921, sobreveio o Decreto Legislativo 4.403 que vigorou até 1928, este continha 14 artigos e disciplinava prazo de locação, pagamento e despejo. Como já mencionado no item anterior, sucederam as legislações da era Vargas que ocasionou insegurança jurídica.

Neste período, constata-se uma relação entre inquilinos e proprietários bastante conturbada. Frente aos conflitos entre locador e locatários, em 1991, logo após a promulgação da Constituição Federal, de 1988, no mesmo caminho que o Código de Defesa do Consumidor, sucedeu a publicação da Lei 8.245/91 com a finalidade de proteger o hipossuficiente, que na visão do legislador é o inquilino. Esta legislação disciplinou de forma detalhada a locação residencial, prevendo prazos mínimos, regrando o despejo e protegendo o inquilino de práticas prejudicais.

Em 2009, a Lei de Locação de Imóveis sofreu forte alteração. Com a finalidade de modernizar e alavancar o setor, na tentativa de desburocratizar e facilitar o acesso ao imóvel objeto de locação, a principal alteração foi a previsão expressa de concessão de liminar para o despejo do inquilino inadimplente, cujo contrato não tivesse garantia.

A intenção do legislador foi facilitar a locação de imóveis por parte do inquilino que não pudesse oferecer garantia, sendo um avanço a tentativa legislativa em dar velocidade aos processos que se enquadrem na nova sistemática.

A locação na atualidade é regida pela Lei n.º 8.245/91 que normatiza a locação urbana e disciplina o aluguel residencial basicamente em duas etapas: a locação de longo prazo e a locação por temporada.

A locação por longo prazo é a realizada pelo prazo mínimo de 30 meses, conforme reza o artigo 46 da Lei n.º 8.245/91, tendo um detalhado regramento, inclusive com tipos penais que criminalizam algumas práticas, como por exemplo, exigir mais de uma modalidade de garantia no mesmo contrato de locação. Já a locação por temporada é aquela celebrada pelo prazo não superior a 90 dias.

Frente ao cenário de crise, surgem questionamentos sobre a continuidade e cumprimentos das avenças nas relações locatícias. Sobre o tema está em tramitação o projeto de lei de n.º1.179/2020, que em síntese veda a concessão de liminar em processo de despejo e prevê que os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.

A iniciativa do ponto vista social é relevante, porém há de se observar a história e compreender que na contemporaneidade temos três grupos distintos de locadores, os detentores de capital e técnica; os hipossuficientes e os locadores nas camadas mais populares.

Além disso, há a locação por longo prazo e curto prazo, locação com móveis e sem móveis, logo em que pese a urgência ante a velocidade com que os fatos acontecem em época de pandemia, as diversidades aqui apontadas hão de ser observadas, sob pena de mais uma intervenção estatal que pode desarranjar o setor.

Reflita-se, sem a distinção entre locação de curto e de longo prazo, qual a segurança jurídica do locador que aluga seu imóvel mobiliado para quem deseja por algum motivo realizar a quarentena em local diverso de sua residência? Qual o amparo aos idosos que tem sua renda atrelada aos frutos civis do aluguel? Será que tal determinação genérica alcançará os inquilinos de baixa renda que habitam as comunidades? Qual o impacto de mais uma intervenção estatal na atividade do rentista urbano no setor da construção civil? Haverá diminuição na oferta de imóveis para aluguel ou ocorrerá um maior rigor nas contratações, como o retorno da exigência de fiador, prejudicando assim o acesso daquele que busca um imóvel neste momento de crise?

A influência estatal neste cenário de crise é um desafio enorme, o risco da omissão quanto da intervenção é alto, pelo que em que pese a urgência com que as decisões hão de ser tomadas, há de se resgatar o passado para solidificar a conduta a ser seguida.

O período atual reverbera uma intensa necessidade de reflexão dos arranjos sociais, a cada dia o cenário muda, as incertezas são postas na mesa e a sociedade experimenta um trauma coletivo.

A pandemia do medo gera um hard case para o Direito, pois a nova realidade não se subsumi perfeitamente às normas vigentes. O que não significa que não haja Lei que se aplique ao caso concreto, gerando desafios para o Estado em lidar com a nova ordem social.

Caso a União e os demais entes federativos optem por legislar sobre o assunto, uma boa solução é a observação do programa “Legislar Melhor” da União Europeia, a fim de que a norma possa contribuir com a pacificação social em um momento turbulência e incerteza.

Conforme já sugerido anteriormente, antes de se adotar qualquer medida, aconselhamos que consultem profissionais qualificados com o intuito de averiguar a melhor estratégia para cada tipo operação ou cancelamento. Em tempo, e como recomendação inicial, sugerimos a análise de cada contrato de firma individualizada para estudarmos juntos a estratégia de renegociação e/ou distrato.