Considerado uma área de grande importância e valorização, o mercado imobiliário apresentou um superaquecimento muito importante no Brasil ao longo dos últimos anos.
No final de 2019, com o surgimento dos primeiros casos na China, o novo Coronavírus se espalhou por todo o mundo aumentando exponencialmente o número de pessoas contaminadas, inclusive o Brasil que foi o primeiro país da América do Sul a ter os primeiros casos confirmados. Assim, fez-se necessária uma paralisação mundial em prol da solução para todos. Hoje, o mundo passa por uma enorme crise existencial em todos os ramos.
Grandes desafios e questionamentos se ascenderam no Mercado Imobiliário e da Construção Civil acerca do COVID-19. Assim questiona-se: quais serão os reflexos que o país enfrentará?
Problemas com atraso em entregas de obra e obtenção de licenças para projetos imobiliários, que já eram questões enfrentadas pela maioria das incorporadoras brasileiras, agora tendem a se intensificar.
O Código Civil em seu artigo 393, define caso fortuito e força maior:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir
Ainda, o artigo 393 do Código Civil é amplo, porém imprevisível como efeito jurídico decorrente da pandemia que será tratada pelos tribunais. Acredita-se, contudo, que a situação atual se enquadra em caso fortuito e força maior, reforçando assim toda a gravidade motivada por decisões drásticas de todo o mundo.
Diante deste panorama e considerando que o fim desta pandemia dará azo à grandes discussões jurídicas, tem-se correto afirmar que a adequada aplicação da Teoria da Imprevisão e as definições de “força maior” e “caso fortuito” serão palco principal do Judiciário por um longo período e as incorporadoras precisam estar preparadas para mais essa batalha.
Ao certo não se tem dimensão dos impactos diretos da pandemia no mercado, mas é provável que no caso das construtoras, estas tenham dificuldades com os fornecedores de equipamentos e matéria prima, paralisação de mão de obra que acarretará no atraso da entrega da obra, que possivelmente será descumprido o prazo de 180 dias para respectivo atraso, termo contratual esse, previsto na legislação.
Com o atraso na entrega da obra, desencadeará uma forte crise econômica até mesmo para aquisição ou venda de unidades autônomas. Com toda a crise existente poderá ainda sim trazer dificuldades na aprovação de projetos, bem como na captação de recursos pelas incorporadoras para a aquisição dos terrenos, o que pode inviabilizar o desenvolvimento dos empreendimentos imobiliários pretendidos, levando as incorporadoras a buscar a rescisão dos contratos de compra e venda relativos às aquisições de terrenos.
Neste sentido, vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do julgamento do REsp 860.277, firmou entendimento de que a referida teoria da imprevisão somente poderia ser aplicada quando o fato não estivesse coberto pelos riscos do contrato. Ou seja, somente quando o fato fosse extraordinário e imprevisível, ocasionando onerosidade excessiva para uma das partes integrantes do contrato, não estão cobertos pelos riscos objetivos e inerentes do negócio.
Fazendo-se uma análise mais detalhada, observa-se que tal entendimento atenta-se para 3 (três) elementos essenciais, quais sejam: i) superveniência de um acontecimento imprevisível; ii) alteração da base econômica objetiva do contrato; iii) onerosidade excessiva, os quais são extraídos do art. 478 do Código Civil.
A propósito, os limites para aplicação do referido instituto já foram parametrizados pela comunidade jurídica brasileira, tendo sido editado o Enunciado 365 da IV Jornada de Direito Civil: “A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.”, bem como o Enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.”
Se já há na legislação meios de mitigar os prejuízos em caso de acontecimento de fato extraordinário e imprevisível, como inegavelmente é o surto da Covid-19 no Brasil e no mundo, os aplicadores do direito devem poder utilizá-los de forma adequada e salvaguardar não só a saúde das pessoas, como também a das sociedades empresárias.
Isto é, tal utilização não pode se dar sem profundidade, devendo-se atentar para os requisitos essenciais tanto da Teoria da Imprevisão, quanto da utilização do caso fortuito ou força maior, sendo certo que a atual pandemia se encaixa perfeitamente nessas hipóteses, circunstância esta que deve ser enfrentada pelos Tribunais em breve.
Portanto, por mais que toda a preocupação com a saúde seja legítima e necessária neste momento, alerta-se para um cenário de grave crise econômico-financeira das sociedades empresariais, em especial às Incorporadoras e Construtoras, as quais deverão se utilizar de todos os meios jurídicos possíveis para mitigar seus prejuízos.