A rápida evolução da Inteligência Artificial vem levantando diversas discussões e debates nos últimos meses em relação a utilização da imagem de uma pessoa após a sua morte e quais seriam seus impactos na sociedade. Com o surgimento da tecnologia de reconhecimento facial e de geração de imagens realistas, restaram lacunas a respeito dos direitos da pessoa falecida sobre o uso de sua imagem de forma artificial.
O direito de imagem é protegido pelo art. 5º da Constituição Federal, classificado como um direito da personalidade e considerada como um direito exclusivo e inerente a pessoa. Contudo, o desenvolvimento da Inteligência Artificial trouxe novas perspectivas ao tema. Empresas estão criando tecnologias capazes de ressuscitar digitalmente a imagem de pessoas falecidas através de algoritmos e sistemas como banco de dados e representando por meio de hologramas, por exemplo.
Existem alguns casos famosos de hologramas criados a partir de imagens de artistas falecidos para performances, como a aparição do rapper californiano Tupac Shakur no Coachella – Festival – cerca de quinze anos após a sua morte; a apresentação do cantor Michael Jackson no prêmio Billboard Music Awards e até mesmo o cantor brasileiro Cazuza no palco do Parque da Juventude.
Podemos citar também o caso recente da campanha publicitária da Volkswagen que uniu as cantoras Elis Regina e Maria Rita, mãe e filha, quarenta e um anos depois da morte de Elis. O comercial provocou discussões e debates a respeito dos limites éticos e legais do uso da inteligência artificial.
No vídeo, as duas aparecem cantando a canção “Como Nossos Pais”, composta por Belchior e interpretada por Elis, fazendo alusão ao período da ditadura militar entre 1964 e 1985, do qual a cantora se mostrou opositora. Na época, a empresa Volkswagen apoiou o regime e foi condenada em 2020 com o pagamento de R$ 36 milhões de reais e a declaração pública do envolvimento com o regime.
A legislação autoral nº 9.610/98 informa que os direitos autorais do falecido são transmitidos aos seus sucessores – Porém, apesar de contar com autorização de Maria Rita para o comercial, fazendo com que a propaganda não tenha empecilhos legais, ainda restam dúvidas quanto aos limites éticos, os direitos de imagem e despersonalização, privacidade e controle da imagem da pessoa falecida.
A partir de reflexões como essas a respeito das heranças digitais, a atriz e comediante Whoopi Goldberg revelou durante a sua participação no Talk Show americano “The View”, que existe uma cláusula em seu testamento, proibindo a criação de um holograma digital com a sua imagem após a sua morte.
A atriz declarou que a clausula foi estabelecida em seu testamento há 15 anos, já demonstrando sua preocupação sobre o uso e a proteção dos direitos da personalidade. Goldberg mencionou o fato de que muitas vezes não é solicitada a opinião da pessoa antes de usar sua imagem em um holograma, por exemplo.
As discussões vão além: e o uso indevido de imagem da pessoa falecida?
No caso de pessoa falecida, tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem a existência de direitos à personalidade do morto, entre eles a honra, a imagem, o nome, entre outros, existindo legitimidade dos herdeiros para o ingresso de demanda indenizatória, conforme prevê o art. 12 do Código Civil.
O uso indevido de imagem da pessoa falecida pode ofender a intimidade e a integridade da pessoa, causando dano diretamente ao morto, mas em algumas situações podem ensejar repercussões à família do de cujos, causando o denominado dano em ricochete.
Em suma, a Inteligência Artificial nos leva a refletir sobre antigos paradigmas, mas também sobre a proteção aos direitos de imagem após a morte. Somente através de discussões e debates profundos a respeito do tema, poderemos estabelecer diretrizes claras e justas para o uso da IA nesse contexto. É preciso encontrar um equilíbrio entre o avanço tecnológico e a proteção dos direitos individuais, garantindo que a utilização da imagem após a sua morte seja feita de forma ética e legal.