No último dia 8 de abril, foi publicada a Medida Provisória 948/2020, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, de modo a desobrigar o reembolso, por parte dos fornecedores, dos valores pagos pelos consumidores por serviços não prestados, em razão da pandemia do coronavírus.
A norma faz parte de uma série de ações do Ministério do Turismo para garantir a sobrevivência do setor de turismo e cultural durante a pandemia.
O que a princípio tratava-se de medida bem-vinda a esses setores, transformou-se em um monstrengo legislativo por conta de uma emenda proposta pelo deputado federal Felipe Carreras (PSB), cuja matéria é estranha ao objeto da MP e insere, de maneira capciosa e em momento inoportuno, alteração na Lei 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais. Mais especificamente, a proposta visa alterar o artigo 98 da LDA, que dispõe sobre a forma de arrecadação dos direitos autorais de músicas executadas em eventos públicos e privados.
Em síntese, a emenda propunha que estaria vedada a cobrança dos direitos autorais de pessoa física ou jurídica que não seja o intérprete da canção executada, ou seja, transferia ao intérprete da canção executada a responsabilidade que hoje cabe aos realizadores de eventos.
Observe-se que o artigo 68 da LDA determina que, “previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais (§ 4°) e que “quando a remuneração depender da freqüência do público, poderá o empresário, por convênio com o escritório central, pagar o preço após a realização da execução pública (§ 6°).
Rapidamente o setor artístico se mobilizou denunciando a manobra e conseguiu que o deputado pernambucano retirasse a emenda, sobretudo após live feita com a cantora Anitta.
Embora a questão tenha saído de pauta nesse momento, o pagamento de direitos autorais frequentemente se vê ameaçado em função de lobbies junto ao Legislativo. Em função da proposta, circulou informação de que o parlamentar Felipe Carreras é proprietário de empresa produtora de eventos, que seria beneficiária direta da alteração sugerida pela emenda.
Chama a atenção também o fato da proposta estar inserida sorrateiramente em texto de medida provisória que, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, deve ser editada pelo Presidente da República somente em situações de relevância e urgência, o que, obviamente não diz respeito à cobrança de direitos autorais.
Anteriormente foi proposta a MP 907/2019, na qual, dentre questões voltadas a interesses do setor hoteleiro, como a transformação da Embratur em agência na forma de serviço social autônomo, continha artigo para isentar da cobrança do Ecad a execução de obras musicais no interior de quartos de hotéis e embarcações marítimas. Esse trecho foi retirado da medida provisória para ser analisado na referida MP 948, o que acabou não ocorrendo.
São propostas como estas que acabam pondo em risco a produção cultural do país, pois, se não há pagamento adequado aos criadores, toda a cadeia produtiva perde sentido.