A Folha de São Paulo divulgou nesta data (25.03.2020) que ventiladores pulmonares, fundamentais para tratamento de casos graves de infecção pelo novo coronavírus, estão sendo vendidos usados no mercado ilegal e com preços inflados. A denúncia partiu da fabricante sueca dos aparelhos Geting. www1.folha.uol.com.br
A Band news também divulgou notícia de que o prefeito de Diadema (SP), Lauro Michels, fez um apelo desesperado na manhã desta terça-feira, 24, denunciando que, em meio ao aumento da demanda pela pandemia de coronavírus, fornecedores de materiais hospitalares estão cobrando preços abusivos, chegando a 4.500% no caso das máscaras. >https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000985872/
Estes são alguns exemplos de crime previsto na Lei de Licitações (Lei 8.666/93), bem como, na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92).
A compra pelo governo brasileiro de bens, serviços e insumos de saúde estão dispensadas de licitação enquanto perdurar a pandemia da COVID19 no país. Contudo, há requisitos mínimos que devem ser observados para garantir a qualidade dos bens e evitar preços abusivos.
Como todos sabem, em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto do “coronavírus” (2019-nCov) constituía Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Na sequência, em 11 de março, a OMS elevou o estado de contaminação pelo novo “coronavírus” como pandemia, após a identificação de mais de 115 países com casos declarados de infeção. O motivo da classificação de pandemia retratou não apenas a gravidade da doença ao denominado “grupo de risco”, mas principalmente a rápida disseminação geográfica do vírus.
Dentre as ações adotadas pelo Brasil nessa circunstância, foi editada a Lei Federal n° 13.979 em 06.02.2020, dispondo sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
A fim de evitar o perecimento do direito na contratação de bens, insumos e serviços para o enfrentamento da doença utilizando-se das modalidades regulares de licitação, a lei criou uma hipótese adicional de dispensa de licitação (a par daquelas já previstas na Lei 8.666/93), bem como disciplinou, principalmente com a edição da Medida Provisória nº 926/2020, normas licitatórias e contratuais para o período de combate do coronavírus.
O parágrafo primeiro do artigo 4° da lei define que essa dispensa “é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.
Apesar da lei definir que poderá ser aplicada por qualquer ente da federação, diversos estados e municípios estão editando decretos de situação emergencial no mesmo sentido.
É importante esclarecer que emergência é a situação decorrente de fatos imprevisíveis que impõem imediatas providências por parte da Administração sob pena de potenciais prejuízos, no caso, o risco evidente de sacrifício da saúde da população.
Assim, deve estar comprovado o nexo causal entre a contratação direta e a eliminação do risco de dano com a efetiva demonstração da relação entre a necessidade a ser atendida e a solução concreta adequada.
Para a configuração da contratação direta emergencial por dispensa de licitação, devem ser preenchidos os seguintes pressupostos: a) Demonstração concreta e efetiva de que a aquisição de bens e insumos de saúde serão destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus; b) demonstração de que a contratação é via adequada e efetiva para eliminar o risco.
Para apaziguar e gerar uma maior tranquilidade aos gestores públicos nas respectivas contratações, inclusive confiando na boa-fé dos mesmos, a legislação conferiu presunção juris tantum, ou seja, presume legítima e verdadeira a situação de calamidade retratada,
Nos termos do art. 4º-B que foi incluído pela MP, presumem-se atendidas as condições de: I – ocorrência de situação de emergência; II – necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III – existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e IV – limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.
Contudo, recomenda-se justificativa razoável e instrução do processo com a comprovação dos requisitos mínimos justificadores da dispensa de licitação.
O art. 4º- F prevê que diante da restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, poderá ser, excepcionalmente, dispensada a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, exceção à prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.
A Medida Provisória nº 926/2020 permitiu que até as empresas declaradas inidôneas ou impedidas de participar de licitação e contrato com qualquer órgão ou entidade, poderão participar das licitações e dos contratos via dispensa, desde que sejam comprovadamente a única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.
Além disso, quando se tratar de bens e serviços comuns, está dispensada a elaboração de estudos preliminares, sendo admitidos termo de referência ou projeto básico simplificados.
De qualquer forma, é importante ressaltar que referida contratação prescinde de um planejamento acerca da demanda, dos meios ao atendimento e de regras sobre as condições de contratação. Avaliações de mercado também são essenciais para evitar sobrepreços e superfaturamentos, não incomuns em situações de crises em vista do acréscimo extraordinário de demanda de certos produtos e serviços.
A estimativa de preços da dispensa de licitação ou da licitação a ser instaurada deverá possuir no mínimo um dos seguintes parâmetros: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.
Em situações excepcionais, mediante justificativa da autoridade competente, a lei ainda traz importante dispositivo que permite que se dispense a estimativa de preços.
São esses, em curta síntese, os requisitos básicos para a contratação emergencial criada neste momento para evitar maiores riscos à saúde da população, cuja urgência não pode ser ignorada por ninguém.
O Estado Brasileiro agiu bem ao sancionar a Lei nº 13.979/2020, bem como ajustá-la por meio da Medida Provisória nº 926/2020 neste período de crise anormal. É uma norma arrojada, que claramente rompeu com algumas amarras instituídas para as contratações tradicionais, buscando o atendimento das necessidades urgentes no menor tempo possível.
Caberá aos órgãos fiscalizadores a análise atenta da adequação da norma a cada caso concreto, identificando eventuais desvios, abusos ou superfaturamentos, como os noticiados aqui.