Infidelidade patrimonial e o Direito Penal brasileiro

Embora a infidelidade patrimonial não seja reconhecida no Código Penal brasileiro, nos últimos meses o tema passou a ser destaque no debate público nacional em razão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Lojas Americanas.

No relatório, o deputado federal Orlando Silva defendeu a tipificação da infidelidade patrimonial no Brasil, além de propor projeto de lei para amparar as vítimas dessa situação. A sugestão foi acolhida e o assunto deverá ser tratado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Em linhas gerais, o delito de infidelidade patrimonial tipificaria a conduta daquele que têm o dever de administrar o patrimônio alheio (sujeito ativo) e por uma ausência no dever de proteção, causa dano a este patrimônio. A característica central desse delito é a violação de um dever fiduciário de tutela do patrimônio alheio, que existe para garantir que aqueles que administram o patrimônio de terceiros ajam por interesse próprio.

Essa modalidade de crime existe por parte do agente que pratica o delito e detém um poder muito superior de disposição do patrimônio, em relação ao dono. Nesse caso, o patrimônio é violado precisamente por aquele que deveria tutelá-lo, presumindo o princípio da confiança e da boa-fé, ou seja, não é feito por agente externo que, por meio de conduta fraudulenta ou violenta/ameaçadora, tenta desviar ou retirar bens a força. Sendo assim, o patrimônio se vê desprotegido do seu titular e violado por aquele que goza de sua confiança.

Esse delito assumiu papel de protagonismo no debate político econômico e jurídico penal em meados dos anos de 2007/2008 na crise financeira dos bancos europeus, em que vários administradores e gestores de instituições financeiras foram processados pelo crime de infidelidade patrimonial. Ainda nos dias atuais, o tema permanece sendo ponto central do direito penal e econômico mundial, pois se perpetua gradativamente e requer atenção adequada.

No Brasil, pelo fato dessa modalidade de crime não estar inserida e tipificada no Código Penal, a sua ausência acarreta proliferações de tipos penais visando a tutela do patrimônio, e na maioria das vezes, quanto mais tipos penais existentes, menor a proteção apropriada. A falta de um tipo penal acarreta consequências jurídicas ao réu, que sofrerá sanções de acordo com o entendimento do magistrado, na medida em que compreende a gravidade da situação e penaliza ampliando demasiadamente a tipicidade do delito, na tentativa de não cometer uma “injustiça” de deixar impune quem cometeu o crime.

Recentemente, a B&RB atendeu um caso que configurava a infidelidade patrimonial por parte de um dos cônjuges, referente à traição da confiança por parte daquele que detinha a administração do patrimônio comum, mediante falta de honestidade em relação as finanças de uma das partes.

Especificamente neste caso, o requerido deixou de pagar contas e escondia dívidas que a ele entram atribuídas, o que configura abuso do direito, afronta a boa-fé objetiva e proibição do comportamento contraditório, todos ensejadores de responsabilização por danos morais.

Podemos citar também o caso recente vinculado na mídia, sobre a infidelidade patrimonial cometida por Alexandre Correia, marido da apresentadora Ana Hickmann. No último dia 22 de novembro, Ana e Alexandre tiveram sete veículos bloqueados na Justiça após contraírem uma dívida milionária decorrente de empréstimos, débitos fiscais e inadimplência.

É evidente que temos lacunas de uma proteção insuficiente do patrimônio alheio e por consequência dessa desproteção, os tipos penais existentes apreendem apenas parcialmente o acontecimento, não integralmente em sua totalidade, como deveria. Por isso, é cada vez mais importante o debate e a reflexão sobre o tema, para que o direito possa, efetivamente, socorrer e garantir às vítimas à devida proteção sobre o seu patrimônio, diante do comportamento criminoso de terceiros.