Após grande repercussão sobre o caso de violência doméstica sofrida pela apresentadora Ana Hickmann essa semana, muitos se perguntam sobre a divisão de bens do casal nessa situação. O patrimônio construído em conjunto durante os vinte e cinco anos de casamento seria afetado de alguma forma? Alexandre, ex-marido da apresentadora, perderia seus direitos?
Até os dias atuais, não há instrumentos jurídicos que impeçam o agressor de receber a sua parte do patrimônio na partilha de bens, mas existem mecanismos na Lei Maria da Penha que asseguram à vítima assistência jurídica e garantem prioridade nos processos de separação ou divórcio. Além disso, a legislação brasileira disponibiliza medidas para impedir a dilapidação do patrimônio em comum e certificar o pagamento de indenizações e auxílios por parte do agressor, além de garantir que a vítima não seja prejudicada em ação futura de partilha de bens.
Especificamente no caso de Ana Hickmann, pelo fato de Alexandre ser empresário e administrador de seus bens e carreira, a apresentadora poderia realizar pedido judicial solicitando a suspensão temporária do exercício de gerência empresarial pelo marido, até que se resolva a questão da partilha de bens, visto que a Lei Maria da Penha pretende proteger a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima.
Entretanto, mesmo com as medidas que objetivam proteger a vítima, ainda nos deparamos com normas que colaboram para a perpetuação desses acontecimentos, como prevê o Código Penal, quando especifica que será isento de pena aquele que cometer o crime patrimonial em prejuízo do cônjuge ou do ascendente/descendente, salvo se cometido sobre violência ou grave ameaça. Essa omissão legislativa contribui apenas para o aumento expressivo de casos em que mulheres sofrem violência patrimonial sem que seus parceiros respondam criminalmente.
Há um projeto de Lei nº 472/23 que tramita na Câmara dos Deputados e propõe a alteração do Código Civil para estabelecer que homens e mulheres condenados por violência doméstica percam o direito à pensão alimentícia e aos bens adquiridos durante o casamento ou união estável, em caso de separação. O PL pretende aumentar a punição para os agressores e afetá-los patrimonialmente através da ação de divórcio.
De acordo com a promotora Celeste Leite Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima, apesar de ainda não haver instrumentos no ordenamento jurídico que interfiram na partilha de bens, a vítima pode obter reparação financeira na Justiça. Celeste explica que o princípio da responsabilidade civil pode ser aplicado nesses casos, implicando em indenizações de cunho moral e por vezes material.
O que podemos notar é que, mesmo com as medidas e estratégias da Lei Maria da Penha para coibir a violência doméstica e familiar, ainda restam lacunas que permitem que essas situações continuem ocorrendo. A mesma lei não tipifica crimes no Brasil, ou seja, não insere a previsão de novas condutas delitivas no ordenamento jurídico, mas sim o Código Penal. Portanto, a violência doméstica e familiar permanece tendo as sanções penais que teriam em qualquer outro contexto.
O conceito de violência patrimonial ainda é pouco discutido no Brasil, e por isso é de suma importância o debate e a reflexão sobre o tema. É preciso de mais propostas e projetos de lei que abordem essa questão e que tenham como objetivo a luta e a prevenção contra a violência doméstica e o auxílio para mulheres e crianças, que também são potenciais vítimas nesses casos. Para que a violência doméstica seja combatida, as vítimas devem estar cientes do abuso e saber reconhecer e identificar os padrões de violência para procurar ajuda e pleitear seus direitos.