No último mês de agosto, o PARTIDO SOCIAL LIBERAL – PSL apresentou representação ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo contra o prefeito Bruno Covas e outros agentes da Prefeitura de São Paulo, apontando, em síntese, que os representados estariam descumprindo a legislação eleitoral (art. 73, VI, ‘b’, da Lei nº 9.504/97) que proíbe a veiculação de publicidade institucional em sítios oficiais. Sustenta o pedido, assinado pela Deputada Joice Hasselmann, candidata a prefeita de São Paulo, que o Município e as Secretarias Municipais, em suas páginas na internet e nas páginas mantidas no Facebook, manteriam publicidade institucional em período vedado, em favorecimento a Bruno Covas, que tudo indica também sairá candidato nas próximas eleições municipais.
Houve concessão parcial da tutela apenas para suspensão de vídeo onde o Prefeito aparece exaltando sua atuação na assinatura de decreto que majorou o “Prêmio de Desempenho Educacional”, dado aos profissionais da área da educação.
Quanto aos outros pedidos, o juiz entendeu que não é qualquer menção ao nome do atual Prefeito que deve ser excluída daquelas páginas, mas, sim, aquelas que possam implicar em desequilíbrio à eleição.
Porém, por cautela, a Prefeitura decidiu remover todo o conteúdo das redes sociais e dos sites até as eleições, inclusive apresentações artísticas online com apoio público. Foram suspensas as redes sociais de espaços culturais públicos, como a Biblioteca Mário de Andrade e o Centro Cultural São Paulo (CCSP) e os respectivos canais no YouTube tiveram todos os vídeos apagados.
Artistas que se apresentariam em parceria ou com apoio de equipamentos públicos do município agora só podem divulgar e veicular seus conteúdos nas suas próprias redes.
A lei eleitoral proíbe, nos três meses que antecedem as eleições, divulgação institucional de ações promovidas pelos órgãos públicos e de entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública (art. 73, VI, ‘b’, da Lei nº 9.504/97) A intenção é evitar favorecimento de candidatos que estão no poder público.
Os Tribunais Eleitorais tem se posicionado de forma bastante restritiva em relação à interpretação deste dispositivo legal. Em sua maioria, os julgados determinam a remoção das mensagens, ainda que não tenham caráter eleitoreiro, mas que sejam divulgadas no período pré eleitoral.
Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral firmou-se nesse sentido, vedando qualquer espécie de publicidade institucional, independentemente de seu caráter informativo, educativo ou de orientação social, salvo em caso de propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado ou de grave e urgente necessidade pública (AgR–AI nº 56–42/SP, relatora Ministra Rosa Weber, julgado em 24.4.2018).
Não há como discordar da necessidade de leis que proíbam o uso da máquina pública para favorecer candidatos, em clara vantagem sobre os demais. Porém, o cumprimento da legislação eleitoral não pode ser promovido sem a observância dos princípios constitucionais da publicidade, da transparência e da eficiência, que devem necessariamente nortear a Administração Pública. Na ocorrência de conflito de normas, cabe ao intérprete realizar uma coerência narrativa do sistema jurídico constitucional, procurando harmonizar os espaços de tensão.
Nesse sentido, a falta de informação dos atos da Administração e consequente falta de transparência pode levar à condenação do gestor público por ato de improbidade administrativa, uma vez que a publicidade dos atos está prevista na Constituição Federal, a fim de permitir ao cidadão seu controle, mesmo em período eleitoral.
Em circunstâncias normais, já se questiona se a vedação prevista na Lei Eleitoral pode restringir a divulgação dos atos e serviços públicos que não configurem promoção pessoal do gestor. Entendemos que não, desde que não se trate de publicidade de atos da gestão X ou Y, pois constitui verdadeiro dever da Administração Pública a comunicação aos cidadãos de como estão sendo aplicados os recursos públicos, além de informar sobre a política pública adotada.
No período que antecede as eleições, as informações podem e devem continuar sendo divulgadas, desde que de maneira objetiva, evitando-se a utilização de símbolos que remetam a determinada gestão político-partidária e desde que não se prestem à propaganda de realizações da Administração Pública.
Com a chegada da pandemia do COVID-19, não só se fez necessário o adiamento das eleições municipais, como também diversas medidas emergenciais foram adotadas pelo Poder Público para enfrentamento da doença, dentre elas a alteração excepcional das regras de publicidade institucional no período que antecede as eleições de 2020.
Por meio da Emenda Constitucional n° 107/2020, ficou determinado que “no segundo semestre de 2020, poderá ser realizada a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (artigo 1°, § 3°, VIII).
Adotando posição extremamente cautelosa, a Prefeitura de São Paulo determinou a interrupção de todas as publicações realizadas nas suas mídias digitais durante o período eleitoral, restringindo a comunicação somente às informações sobre o enfrentamento à pandemia de coronavírus.
No caso das atividades culturais, que inicialmente foram canceladas presencialmente, neste período também foram interrompidas nas plataformas digitais.
Ocorre que, justamente em função da pandemia, a Administração Pública se viu instada a implementar ações emergenciais para contratação e assistência a profissionais da cultura impactados pelas restrições.
O Decreto Municipal nº 59.396, de 5 de maio de 2020, que regulamenta a Lei nº 17.340, de 30 de abril de 2020, que dispõe sobre medidas de proteção da saúde pública e de assistência social e outras medidas para o enfrentamento da COVID-19, por exemplo, dispõe no art. 17:
“A Secretaria Municipal de Cultura deverá desenvolver ações emergenciais para contratação e assistência a profissionais da cultura, formalizados ou não, impactados pelas restrições a eventos e outras atividades, por meio de projeto que objetive a manutenção da programação cultural regular das Casas de Cultura pertencentes à SMC, a valorização e o apoio à classe artística, especialmente de baixa renda, periférica e residentes em bairros com alto índice de vulnerabilidade do Município de São Paulo, não extinguindo a possibilidade de contemplar também artistas e profissionais da cultura de outras regiões da capital paulista, mantendo o acesso do munícipe a bens culturais nas mais diversas linguagens artísticas durante o isolamento social.”
A nível federal, a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, conhecida como Lei Aldir Blanc, dispôs sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, como a abertura de editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.
Dentre outros, esses dispositivos legais reconhecem a imprescindibilidade das atividades artísticas e culturais e a manutenção da programação dos equipamentos de cultura como medidas de enfrentamento à pandemia, fundamental para a saúde psíquica e mental da população e para minimizar os prejuízos causados à classe artística.
Não é razoável supor que a transmissão das atividades culturais em redes sociais ou em outras plataformas digitais, bem como, sua divulgação, sejam vedadas em função das eleições, que ocorrerão ainda no período de isolamento social.
Ao contrário, os atos de divulgação da programação se inserem na hipótese excepcional trazida pela EC nº 107/202, que permite a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia.
Não nos parece lógico que as atividades e programas culturais executados com recursos públicos ocorram sem a participação máxima dos cidadãos, o que já vem acontecendo sem a indispensável divulgação. A população tem o direito de ser informada dos serviços públicos para que deles possam usufruir e a Administração tem o dever de informar e prestar contas de sua execução.
A condenação da propaganda promocional de agentes públicos deve ser rigorosa em qualquer momento da gestão pública, por ferir expressa vedação constitucional e violar princípios da Administração Pública.
Quando a divulgação não atende ao caráter educativo, informativo ou de orientação social, mas tão-somente de promoção do agente, considera-se haver um atentado contra os princípios da moralidade e da impessoalidade, previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Porém, é preciso ter cautela para evitar equívocos quanto ao entendimento de ato abusivo, já que a difusão dos atos administrativos pelos meios apropriados é exercício do dever legal de conferir publicidade e transparência aos cidadãos, ainda que em período eleitoral.