Usando a imagem criada pelo artista plástico Darlan Rosa, o deputado Eduardo (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) compartilharam uma versão do personagem Zé Gotinha com uma arma na mão.
O artista classificou a imagem como uma deturpação ao propósito educativo para o qual foi criado o personagem. Zé Gotinha foi concebido em 1986 a pedido da UNICEF para a campanha de erradicação da pólio no Brasil.
Para o artista, a imagem veiculada pelos filhos de Bolsonaro “é terrivel, um desassossego”, mas diz que não acionará a Justiça contra a deturpação, pois “do outro lado o poder é muito maior”.
Entretanto, seriam grandes suas chances de êxito em uma demanda judicial proposta contra o autor do desenho pela violação de seu direito moral sobre a obra.
O direito de autor nasce com a criação da obra e dela decorrem duas relações que conectam o autor à obra. Uma é o direito moral, outra é o direito patrimonial.
Os direitos morais do autor são aqueles que unem indissoluvelmente o criador à obra criada. Estão expressamente previstos no artigo 24 da Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais) e incluem, entre outros, o direito à integridade da obra, o que confere ao seu titular o direito de impedir qualquer modificação em sua obra, ou qualquer utilização em contextos que possam prejudicar sua honra.
O artigo 6 bis da Convenção de Berna já dispunha que “independentemente dos direitos patrimoniais do autor, e mesmo após a cessão desses direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação dessa obra, ou a qualquer atentado à essa mesma obra, que possam prejudicar a sua honra ou a sua reputação.”
Como bem observou o ministro do Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, “reconhece-se a existência de um vínculo especial, de ordem moral, existente entre o autor e a sua obra. A obra não é vista apenas como um bem, mas sua existência reflete a própria personalidade do autor, seu gênio criativo, suas preferências e seu estilo. Ela é considerada, portanto, como um prolongamento do espírito de seu criador” (Resp 1862910)
Os direitos patrimoniais sobre o desenho criado por Darlan Rosa são da UNICEF, que o contratou para a mencionada campanha de vacinação, porém, os direitos morais pertencem ao artista.
Na medida em que a imagem transmitida pelas redes sociais causa desassossego e incômodo ao autor da obra original, verifica-se a violação ao direito moral de integridade da obra. Para além do despropósito da utilização da imagem do personagem querido pela população empunhando uma arma, aludindo ao viés armamentista do governo Jair Bolsonaro, sua modificação e veiculação fere inegavelmente direitos morais do artista criador, a quem cabe requerer ao Poder Judiciário a reparação, com a responsabilização do infrator por danos morais.